segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Não ao Porto Sul, diz Rede de Associações de Serra Grande

REDE DE ASSOCIAÇÕES DE SERRA GRANDE
FUNDADA EM 22 DE ABRIL DE 2010





Questionamo-nos por nossa responsabilidade diante daqueles que nos estão próximos e para com toda pessoa que surge à nossa frente. E hoje, especialmente, qual o cuidado que precisamos cultivar para preservar a vida ameaçada e garantir a vitalidade da mãe terra?
Leonardo Boff


Este texto constitui uma reflexão analítica referente ao posicionamento estratégico dos governos estadual e federal com referência ao Pólo Intermodal Porto Sul na ocasião da visita à Universidade Estadual de Santa Cruz- UESC, no dia 09 de setembro de 2010.

A apresentação citada acima, realizada pelos Srs. Spengler e Benjamin, secretários de Meio Ambiente e Extraordinário de Indústria Naval e Portuária do Estado da Bahia, respectivamente, denota uma evidente mobilização do Estado em defesa do Projeto Porto Sul, não levando em consideração qualquer reflexão consciente sobre o momento histórico da humanidade, os novos paradigmas ambientais e os direitos humanos.

O Sr. Spengler, com 20 anos de experiência no setor do Meio Ambiente, falou de variáveis ambientais/realidade socioambiental, descentralização, maximização do desenvolvimento econômico, potenciação do desenvolvimento, apoio às atividades tradicionais, divulgação destas propostas na Copa do Mundo... Para nós, porém, ficou claro que a sua fala entusiasta defende, na verdade, um caminho dirigido ao desenvolvimento ilimitado, conceito ultrapassado e diametralmente oposto ao conceito original de SUSTENTABILIDADE.

SUSTENTABILIDADE não significa um planejamento de medidas moderadoras e compensadoras de impactos catastróficos em uma área de Mata Atlântica, considerada Reserva de Biosfera, um dos 34 “hot spots” do Planeta. Os “hot spots”, “pontos quentes”, são aqueles lugares que:
a) contem ao menos 1500 espécies de plantas vasculares que não se encontram em nenhuma outra parte do planeta;
b) que perderam ao menos 70 % de sua vegetação original.
Os “hot spots” são só 2,3% da terra firme do planeta, mas neles vivem 42 % das espécies vertebradas e mais do 50 % das plantas com flores.

Consideramos o projeto do porto uma grande irracionalidade, fundada em um desenvolvimento maximizado e potenciado, segundo os representantes do governo estadual, acompanhado de ações moderadoras, tendo como local a Ponta da Tulha, em meio a áreas de proteção ambiental, reservas ambientais e parque estadual, com status internacional, outorgado pela ONU, como sendo um dos 34 “hot spots” de maior biodiversidade do mundo todo.

As corporações multinacionais estimulam, financiam, torcem, corrompem, reúnem benefícios bilionários. Os governos estabelecem alianças para um desenvolvimento pragmático, simplista e ineficiente, e a sociedade, informada por mídias integradas nas mesmas alianças, assiste passivamente, imaginando um falso futuro de bem estar.

Os senhores secretários falaram que é impossível que o projeto Porto Sul não tenha algum impacto. Ao mesmo tempo, são muitas as expectativas criadas no projeto (o que o torna mais agressivo), como pólo siderúrgico, ampliação do Terminal de uso privativo da BAMIN- TUP, Porto Sul com terminal turístico, causando um impacto irreversível aos bancos de corais, sendo esse um pequeno custo a ser pago pelo ambiente marinho, em benefício de todas estas “grandes” possibilidades de desenvolvimento para a região.

A motivação que mobiliza os planejadores deste mega projeto é decididamente neoliberal, assustadora, irracional e suicida... Essas fórmulas tão conhecidas de desenvolvimento já ocasionaram profundos danos às nossas economias continentais e ao nosso ambiente natural e social, através da crescente concentração de riquezas em corporações multinacionais, financiadoras de campanhas políticas, acompanhado pelo aumento extraordinário da pobreza, entre outros traumáticos e injustos impactos.

O complexo Intermodal “Porto Sul” tem este perfil, sem dúvida!

O perfil descentralizador é outra analogia errada. Na realidade, o perfil do projeto é construir outro pólo, que centraliza propostas de desenvolvimento, que concentra atividades geradoras de graves impactos ambientais e sociais e que frustra e obstrui tendências estabelecidas e planejadas, mal assistidas, que tem potencial para gerar riquezas de maior qualidade, sem ocasionar impactos.

Desejamos contribuir com os estudos analíticos que o governo realiza, com alguns dados muito atualizados, que provem do informe apresentado pela CEPAL - Conselho Econômico para America Latina e o Caribe, das Nações Unidas, realizado na primeira semana de setembro de 2010.

Segundo este informe do CEPAL, toda a região transita num mesmo caminho, de firme desenvolvimento, sem crise financeira, conta corrente com saldo positivo, desemprego moderado e reservas monetárias em níveis de recorde. Este processo coincide com um ciclo muito bom, nos preços das commodities, impulsionados fundamentalmente na demanda firme da “China” e “Índia”.

Estas coincidências são uma tentação para relacionar ambos os fenômenos, em forma linear, devido à incidência de uma alta demanda de commodities na região, que mostram um mosaico de impactos heterogêneo, tanto entre os países como nas estruturas produtivas internas. Esse comportamento se verifica tanto no período de 2000 a 2008, e também no ano da recuperação (2010). No informe da Cepal, menciona-se que a decomposição do valor em preço e volume das exportações da região, durante a primeira década do ano 2000, revela um grande impulso provocado pela subida dos preços, que favoreceram, em grande medida, os produtores de matérias primas básicas, como é o caso dos petroleiros e produtores de minerais (Venezuela, Peru y Chile).

Entre 2000 a 2008, a taxa média de desenvolvimento do preço das exportações destes países foi de 22 % e o do volume foi só de 6 %. Os produtos que obtiveram as maiores taxas de desenvolvimento em seus preços foram o petróleo cru, o cobre, o mineral de ferro, as sementes de soja, o gás natural e as carnes.

Na Venezuela, a subida do preço de petróleo cru e dos seus derivados aumentou a participação do complexo de petróleo num valor exportado total de 83% a 93% nesses anos. No Chile, só três produtos (cobre bruto, cobre processado e ouro) experimentaram subidas combinadas de preços perto dos 26,6 %, com um aumento moderado do volume (4,6%). Isto determina um incremento do peso relativo desses produtos nas exportações totais de 41% em 2000 e 61% em 2008. No Peru, o preço de quatro produtos (feijão fresco, cobre, derivados do petróleo e ouro não monetário) cresceu 33% e teve um crescimento de volume de 14%.

A região atingiu uma notável melhoria dos termos de intercâmbio entre 2000 e 2008, em 20%, diferenciada entre regiões, conforme indica o documento da Cepal. Enquanto os países andinos e o Chile atingiram taxas médias de subida, na relação do comércio, de pouco mais de 70 e 60%, respectivamente, o MERCOSUL e o México sofreram subidas menores, e o Centro da América acusa uma queda importante da balança comercial da ordem de 18%, sobretudo devido à importante dependência dos alimentos e combustíveis. Com a crise de 2009, o indicador caiu, e logo iniciou-se uma recuperação neste ano.

Este padrão de crescimento favoreceu o retorno do protagonismo das matérias primas na estrutura exportadora regional. Depois de ter reduzido sua participação a níveis perto de 52% das exportações totais, no começo dos anos de 1980 e depois de ter atingido uma participação mínima (26,7%) no final dos anos 90, aumentaram seu peso relativo durante a década passada, até chegar aos 40 % do total no último biênio (2008-2009). Esses dados do Cepal desmentem as idéias categóricas difundidas por correntes conservadoras. A idéia dominante é que o Brasil teve um dinamismo exportador baseado em produtos complexos, de importante base industrial, enquanto a Argentina teve seu saldo positivo na balança comercial nas matérias primas, em especial a soja. Mas o resultado que expõem os números apresentados por Cepal é diferente.
De acordo com o quadro da distribuição setorial dos despachos ao exterior, no período 2000/2002 as matérias primas representavam 42,3 % para a Argentina, e 23,7 % para o Brasil. No período de 2007/2009, a participação caiu para 38,2 % para a primeira (Argentina) e cresceu para 33,6 % no caso do segundo (Brasil).

De todos os modos, para um e para outro como para o resto da região, a conclusão do informe do Cepal adverte que o balanço preliminar do desempenho exportador na década mostra que esses países não têm conseguido avanços significativos na qualidade de sua inserção comercial internacional. Destaca-se que a expansão dos setores associados aos recursos naturais, mobilizados principalmente pela demanda asiática, não estão contribuindo suficientemente para criar novas capacidades tecnológicas na região. Contrariamente, a região exporta mais e mais matérias primas básicas, produtos de nossos ambientes naturais que se degradam por causa da forte demanda asiática e devido aos preços que sobem.

O complexo intermodal Porto Sul é, sem dúvidas, um projeto que confirma as tendências observadas na pesquisa do CEPAL: exportamos commodities (matérias primas básicas), deixando um ambiente degradado e riquezas sem geração de indústria transformadora, de produtos locais, sem criação de tecnologia, sem avanço científico, sem criatividade, sem defender os interesses da nação e da sociedade, agredindo o ambiente natural e social, desrespeitando as leis e os direitos humanos.

As grandes corporações multinacionais arquitetam alianças sociopolíticas baseadas em conveniências carentes de respeito e sensibilidade social e ambiental, sem amor à nossa terra, sem valores éticos, da mesma forma que degradam a natureza até seu esgotamento.

Nossa região, tesouro da humanidade, merece um desenvolvimento sustentável, seriamente sustentável, e não aquela sustentabilidade das corporações que produzem crimes ambientais e inventam ações moderadoras para ocultar o inocultável.
Lutemos pela sustentabilidade de nossa região!